Dr. Lincoln Pinheiro Costa

Serviço público e lucro privado

Chegamos aqui a um ponto crucial e não sabemos a resposta: qual a margem de lucro das empresas de ônibus?
 
 

Os protestos contra aumento de tarifa do transporte público que se iniciou em São Paulo e se espalhou pelo país vem recebendo muita atenção, especialmente pela brutal e covarde repressão policial que os manifestantes vêm sofrendo, mas o ponto fundamental não está sendo explorado: a questão da lucratividade das empresas de ônibus e o papel de seus donos nos financiamentos de campanhas eleitorais.

Não se pode perder de perspectiva que transporte urbano é serviço público, ou seja, trata-se de serviço essencial que é condição para o exercício de outro direito fundamental: o direito de ir e vir.

O titular desse serviço público é o município. Com a alegação de que a iniciativa privada é mais eficiente, a execução desse serviço é transferida a empresas privadas mediante contrato de concessão.

Observe, leitor, que o fato do serviço ser prestado por empresas privadas não lhe retira a natureza pública. O serviço de transporte urbano continua sendo público, ainda que praticado por empresas privadas.

A remuneração da concessionária se dá por meio de tarifas pagas pelo usuário, tarifas estas que, por imposição constitucional, devem obedecer ao princípio da modicidade.

Temos então que a tarifa de ônibus não pode ser exagerada e deve ser em valor suficiente para cobrir os custos da atividade e remunerar o capital investido pelo empresário.

Chegamos aqui a um ponto crucial e não sabemos a resposta: qual a margem de lucro das empresas de ônibus?
Para responder a essa pergunta é essencial a abertura da contabilidade das concessionárias de transporte urbano, todas elas empresas de capital fechado.

Se um empresário abre um bar e este não lhe dá o lucro desejado, ele o fecha. Acontecimento corriqueiro no mercado. Ocorre que bar não é serviço público. Este não pode ser descontinuado.

Então, como fazer se a tarifa, que tem que ser módica por imposição constitucional, não for suficiente para cobrir os custos da concessionária e ainda remunerar o empresário?

Neste caso o que se tem praticado, sem nenhuma transparência, é o subsídio. Dinheiro do orçamento municipal é transferido às empresas privadas para garantir o retorno do investimento, previsto no contrato de concessão.

Esta é a discussão a ser feita. Se a suposta eficiência da iniciativa privada não é o bastante para, com a tarifa recebida do usuário, cobrir os custos e garantir o lucro almejado, necessitando receber verba do orçamento municipal, é o próprio modelo de execução do serviço público que precisa ser colocado em xeque.

Mais barato seria a estatização do transporte coletivo, pois neste caso o subsídio recebido pela empresa pública seria apenas para cobrir os custos, não havendo, nesta empresa, o intuito de lucro.

Mas a prática de fazer perguntas leva a outras perguntas. Quais candidatos a vereador e a prefeito são financiados – direta ou indiretamente - por empresas de ônibus?

O subsídio municipal a empresas de ônibus acaba sendo um duto para se transferir recursos públicos a campanhas eleitorais, enquanto vigorar o sistema de financiamento privado de eleições.

Outra curiosidade a ser saciada é o lobby que empresários de ônibus fazem contra o transporte ferroviário.
Se estas questões não vierem à tona, terão sido em vão as agressões recebidas por manifestantes e jornalistas.

A Força do Direito (03/05) em podcast

Ouça clicando no link: http://www.cbnsalvador.com.br/fileadmin/user_upload/cbnfm/podcast/A_Forca_do_Direito/CBN7542.mp3

A Força Do Direito (15/04) em Podcast

Depois do imoral patrocínio da Caixa ao Corinthians, outro escândalo está no forno. Ouçam: http://www.cbnsalvador.com.br/fileadmin/user_upload/cbnfm/podcast/A_Forca_do_Direito/CBN7287.mp3

A Crise da Crônica Esportiva

Grandes cronistas já passaram pela crônica esportiva, escrita ou falada
  
 
O jornalismo de qualidade – até mesmo o jornalismo esportivo - se aproxima da arte literária.

Grandes cronistas já passaram pela crônica esportiva, escrita ou falada.

Pegar um acontecimento futebolístico e dele fazer uma arte literária engrandece não só o esporte, mas também a literatura.

Nos últimos tempos essa arte está cada vez mais rara na crônica esportiva.

Os cronistas de outrora, que tinham a habilidade de produzir bons textos, comentários inteligentes e que por vezes emocionavam o público perderam espaço para ex-jogadores e ex-árbitros.

Quem se anima a assistir a uma partida de futebol na TV sem acionar a tecla “mudo” do controle remoto tem que se preparar para ouvir um festival de besteiras, vulgaridades, preconceitos, xenofobismo, bajulação e sandices sem fim ditas “pelos que conhecem porque já estiveram lá”.

Mas qual o objetivo de se substituir cronistas esportivos por ex-jogadores? Economia na folha de pagamento? Aposta que celebridades trazem audiência? Menosprezo pela inteligência do telespectador?

Creio que haja tudo isso no cálculo dos responsáveis, mas não só.

O ex-jogador na função de comentarista é a garantia de que o assunto não ultrapassará os estreitos limites da trajetória da bola nos pés dos jogadores, ou seja, da técnica e da tática; ex-jogador não oferece o risco de um cronista, não traz para o telespectador o perigo da literatura, da reflexão, dos questionamentos. Comentário de ex-jogador é a certeza de que futebol é só a bola e não há nada que interfira no resultado a não ser o desempenho dos jogadores e dos treinadores.

E qual o papel de comentarista de arbitragem?

Por muito tempo pensei que fosse apenas uma recompensa pelos serviços prestados aos times midiáticos.

Deveras, os mais notórios comentaristas de arbitragem têm um histórico de resultados fabricados para os times do “The Establishment”.

Mas depois de uma maior reflexão conclui que tais comentaristas cumprem outra função social: zelar pela manutenção do padrão brasileiro de arbitragem.

A arbitragem nacional, que tem manipulado campeonatos ao longo da história, caracteriza-se pelo protagonismo, comparada à arbitragem estrangeira; árbitros brasileiros não deixam o jogo correr; são pródigos na distribuição de cartões; gostam de mostrar autoridade; gostam de aparecer; ficam lisonjeados quando chamados de “disciplinadores”.

Os comentaristas de arbitragem da TV atuam para manter este padrão, pois é este padrão que permite a manipulação de resultados pelos donos do futebol brasileiro.

Tais comentaristas não gostam da arbitragem internacional, que consideram frouxa, “que não coíbe a violência”. Na verdade, a indignação dos comentaristas é que a arbitragem internacional não está tão sujeita à manipulação como a brasileira.

Portanto, a função dos comentaristas de arbitragem é passar o recado dos patrões: “estamos de olho”, não fujam ao nosso controle, não queiram ser independentes.

A Falácia das Parcerias Público-Privadas

"O lucro é apropriado pelos empresários; o prejuízo é bancado pelo Estado"

 
 
A onda privatista que chegou ao Brasil nos anos 90 do século passado – com uma década de atraso depois que Reagan e Thatcher empunharam tal bandeira nos Estados Unidos e na Inglaterra, respectivamente – acabou sobrevivendo ao século findo.

Uma forte campanha antiestatal, com seu viés de demonização dos servidores públicos e dos “políticos”, ou seja, do Poder Legislativo, fez por incutir na sociedade a falsa ideia de que tudo que é estatal é ineficiente e que a iniciativa privada é o estado da arte em termos de produtividade e eficiência.

Desconsiderando as reais causas da crise financeira do Estado, repetiu-se, à exaustão, que, diante da ausência de recursos para o investimento estatal, era necessário privatizar os serviços públicos para que o investimento privado suprisse as carências de capital.

Nesse contexto foi aprovada em 2004 a lei das parcerias público-privadas (PPPs).

Maria Sylvia Zanella di Pietro, uma das mais renomadas juristas do país e professora titular de Direito Administrativo na Universidade de São Paulo assim se manifestou sobre as PPPs:

“Na realidade, um dos principais objetivos declarados pelo governo e insistentemente aceito pela mídia é o que diz respeito à necessidade de realização de obras de infraestrutura, para as quais o governo não dispõe de recursos suficientes. Esse objetivo pode ser verdadeiro, mas é desmentido pelo fato de que a lei aprovada (Lei nº 11.079, de 30-12-2004) prevê duas modalidades de parceria – a concessão patrocinada e a concessão administrativa – em que a forma de remuneração abrange, total ou parcialmente, a contribuição pecuniária do poder público. Na concessão patrocinada, essa contribuição soma-se à tarifa cobrada do usuário. Na concessão administrativa, toda remuneração fica por conta do poder público, porém com a vantagem, para o mesmo, de que ela somente se iniciará após o início, total ou parcial, da prestação do serviço. Além disso, embora o particular tenha que assumir a execução da obra (quando for o caso), por sua própria conta, o poder público terá que prestar pesadas garantias previstas na lei e dividir os riscos do empreendimento com o contratado nos casos de ocorrência de áleas extraordinárias, o que permite falar em compartilhamento dos riscos e gera certo paradoxo, porque se o poder púbico não dispõe de recursos para realizar as obras, dificilmente disporá de recursos para garantir o parceiro privado de forma adequada.” (Parcerias Na Administração Pública, 5ª Ed., Atlas, pág 159).

É o capitalismo sem risco defendido pelos nossos liberais! O lucro é apropriado pelos empresários; o prejuízo é bancado pelo Estado.

As parcerias público-privadas que estão sendo feitas a torto e a direito (reformas de estádios, rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e até presídios) serão pagas, no final das contas, pelo contribuinte. O lucro gerado com essas atividades fará a alegria dos donos das empresas parceiras do Estado.

É preciso modificar esse modelo! Uma parceria só é legítima se ambos os parceiros invistam capital e corram o risco do negócio.

Afinal, a iniciativa privada não é mais eficiente que o Estado?